terça-feira, 27 de julho de 2010

A trajetória de uma ATP na escola pública: a violação dos direitos da criança e do adolescente

  Recentemente presenciei um fato triste que me causou revolta, angústia e tudo que puderem imaginar quando se trata de desrespeito ao ser humano, principalmente ao menor e adolescente, no espaço escolar. Não declino o nome da escola, posto que a prática me parece ser corrente em algumas escolas e mesmo porque o que tinha de ser feito naquele momento fiz. O registro da ocorrência está no livro das atividades diárias desta ATP. É o diário de bordo que tenho como prática, desde que comecei a trabalhar como Assistente Técnica Pedagógica.
  Notifiquei a direção da escola, uma vez que quem cometera tal desatino, faz parte da direção, e deveria ter no mínimo o conhecimento de como proceder no espaço educativo, que nos é tão caro, que é a escola pública, que, em princípio acolhe a todos e a todas, mesmo que, ainda, seja por força da lei. Não há, em tese, a discriminação na escola pública, pois ali estudam tanto os que têm um melhor poder aquisitivo, e os que pouco têm.
  E a nós professores, professoras, educadores e educadoras cabe fazer o melhor que pudermos para esses alunos e alunas que de certa forma já são sendo destituídos de poder ser, porque a exclusão já está posta, fora dos muros da escola, e de há muito, na nossa sociedade.
Então indo ao fato, o personagem dessa história real, é um menino já defasado na idade série, negro, pobre, e que já foi excluído de outra escola, “porque lá não se adaptou”, por apresentar problemas de “indisciplina”. Indisciplina, esta, que provavelmente seria considerada normal, se ele pertencesse à outra classe social, e se tivesse olhos azuis, por exemplo, e se a pele fosse branca, por exemplo, ou amarela. E olhem que temos lei para a discriminação racial.
  Este foi constrangido, pelo fato de uma Assessora, chamá-lo para conversas com a polícia em espaço reservado, violando o Art. 18 do ECA – Estatuto do Menor e Adolescente. Art. 18. “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor”. E olhem que o ECA já completou 20 anos de existência.
  Conversas amigáveis com a polícia, e mesmo que esta não seja descortês, como não foi, servem para distanciar mais a comunidade da Instituição Policial que deve proteger e não ameaçar. A tática da Assessora revelou-se abusiva, pois o mesmo foi retirado do lanche para a dita conversa, e muitos alunos presenciaram o fato. O recado foi dado para a escola, o aluno sendo chamado para conversar com a polícia, naquele momento, ele representava, todos os que são “indisciplinados”, negros e pobres. Este aluno, e tantos outros parecidos, que freqüentam a escola pública, seguidas vezes estão pedindo socorro, para que os olhemos de forma diferente, com respeito. Acolher é a palavra chave e não constranger, como de fato aconteceu.
  Educação é processo, não dá para atropelar as ações, mesmo que o corpo docente esteja a exigir respostas imediatas, isto é, punitivas. Querem “sanear” o ambiente a qualquer custo. Quero dizer que nesta minha iniciativa de ir contra a ação da Assessora fiquei sozinha, porque o corpo docente, não viu mal nenhum nisso. Eu, no entanto, estou tranqüila, fiz o que tinha de fazer naquele momento. Proteger o menor, e outros tantos, de ações que vão contra o direito dos mesmos. A minha escrita caminha neste sentido.
  Também não visualizo prática punitiva para esta Assessora, já que estamos em um espaço de educação, temos que pensar na possibilidade de ela refletir, começar a se instrumentalizar para outra prática, ser menos ansiosa, em dar respostas imediatas, transgredindo a lei, tendo mais respeito com os alunos, com todos os alunos e alunas. Queremos um espaço de diálogo, de convivência pacífica e de crescimento humano.
  É importante também, nesse contexto, ponderar, que os professores e professoras, e a gestão imediata na escola, não tem tido o tempo necessário para progredir nas discussões e aprendizado para uma prática condizente com o avanço do conhecimento nas diversas áreas. Muitos estão encalacrados em suas verdades, outros desanimados, outros ainda, mesmo qualificados e abertos a novas possibilidades, não constituem ainda um poder na escola, porque a liderança ainda é dos dinossauros.
  Tomando por empréstimo as palavras de Miguel G. Arroyo (2004, p.101) “Os jovens e adultos, as crianças e adolescentes parecem nos propor não que os tratemos com misericórdia, mas os estudemos antes de julgá-los precipitadamente. Entender a história social, racial, de gênero e classe dos alunos é um campo legítimo de conhecimento de profissionais do conhecimento”.
  Penso, desse modo, não ser mais possível, nesse tempo de conquistas de direitos, retroceder, ou continuar com práticas punitivas e de senso comum, avançar pelo conhecimento e para o conhecimento, é preciso. Precisamos qualificar a escola, minha gente.
  Num outro momento quero escrever sobre uma das práticas também não menos violentas, que é a avaliação da aprendizagem.



Sandra Maria Souza Padilha Novak
Mestre em Educação- UFPR. /ATP

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